sexta-feira, 22 de junho de 2012

Catequese de Bento XVI: Oração nas Cartas de Paulo - 20/06/2012

Queridos irmãos e irmãs,

a nossa oração muitas vezes é um pedido de ajuda às necessidades. E é também normal para o homem, porque precisamos de ajuda, precisamos dos outros, precisamos de Deus. Assim, para nós é normal pedir a Deus alguma coisa, buscar a ajuda Dele; e devemos ter presente que a oração que o Senhor nos ensinou, o “Pai Nosso”, é uma oração de pedido, e com esta oração, o Senhor nos ensina as prioridades da nossa oração, limpa e purifica os nossos desejos e, assim, limpa e purifica o nosso coração.

Assim, por si mesmo, é normal que na oração peçamos alguma coisa, mas não deveria ser exclusivamente assim. Existe ainda motivo de agradecimento e devemos ser um pouco atentos para ver que de Deus recebemos tantas coisas boas: é tão bom para conosco que é conveniente, é necessário, dizer obrigado.

E deve ser também uma oração de louvor: se nosso coração está aberto, vemos, mesmo diante de todos os problemas, também a beleza de Sua criação, a bondade que se vê em Sua Criação. Portanto, devemos não somente pedir, mas também louvar e agradecer: somente assim nossa oração está completa.

Em suas Cartas, São Paulo não só fala da oração, mas mostra a oração certamente também como agradecimento, louvor e benção por tudo aquilo que Deus operou e continua a realizar na história da humanidade.

E hoje, gostaria de destacar o primeiro capítulo da Carta aos Efésios, que inicia justamente com uma oração, que é um hino de benção, uma expressão de agradecimento, de alegria. São Paulo bendiz Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, porque Nele nos fez “conhecer o mistério de sua bondade” (Ef 1,9).

Realmente existe motivo de agradecimento se Deus nos faz conhecer aquilo que era desconhecido: a sua vontade conosco, para nós; “o mistério de sua vontade”. “Mysterion”, “Mistério”: um termo mencionado muitas vezes na Sagrada Escritura e na Liturgia. Não gostaria agora de abordar a filosofia, mas a linguagem comum indicada quando não se pode conhecer, uma realidade que não podemos afirmar com nossa própria inteligência.

O hino que abre a Carta aos Efésios nos conduz pela mão em direção a um significado mais profundo deste termo da realidade que nos indica. Para os crentes, “mistério” não é tanto o desconhecido, mas antes a vontade misericordiosa de Deus, o seu designo de amor que em Jesus Cristo foi revelado plenamente e nos oferece a possibilidade de, “com todos os cristãos, compreender qual seja a largura, o comprimento, a altura e a profundidade, isto é, conhecer a caridade de Cristo” (Ef 3,18-19). O “mistério desconhecido” de Deus é revelado, ele é que Deus nos ama e nos ama desde o início da eternidade.

Paremos um pouco aqui sobre esta solene e profunda oração. “Bendito seja Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo” (Ef 1,3). São Paulo usa o verbo “euloghein”, que geralmente traduz o termo hebraico “barak”: é o louvar, glorificar, agradecer Deus Pai como fonte dos bens da salvação, como Aquele que “nos abençoou com toda a bênção espiritual em Cristo”.

O apóstolo agradece e louva, mas reflete também sobre os motivos que impulsionam o homem a este louvor, a este agradecimento, apresentando os elementos fundamentais do plano divino e suas etapas.

Antes de tudo, devemos bendizer Deus Pai, porque – assim escreve São Paulo – Ele “nos acolheu nele antes da criação do mundo para sermos santos e irrepreensíveis, diante de seus olhos” (v. 4).

Aquilo que nos faz santos e imaculados é a caridade. Deus nos chamou à existência, à santidade. E esta escolha precede a criação do mundo. Desde sempre estamos em seu designo, no seu pensamento. Com o profeta Jeremias podemos afirma também nós que antes de formar-nos no seio de nossa mãe, Ele já nos conhecia. (cfr Jr 1,5); e conhecendo-nos, nos amou.

A vocação à santidade, isto é à comunhão com Deus, pertence ao designo eterno deste Deus, um designo que se estende na história e compreende todos os homens e mulheres do mundo, porque é um chamado universal.

Deus não exclui ninguém, o seu projeto é somente de amor. São João Crisóstomo afirma: “Deus mesmo nos fez santos, mas não somos chamados a permanecer santos. Santo é aquele que vive na fé” (Homilia sobre a Carta aos Efésios, 1,1,4).

São Paulo continua: Deus nos predestinou, nos elegeu a sermos “adotados como filhos seus por Jesus Cristo”, a sermos incorporados em seu Filho Unigênito. O apóstolo destaca a gratuidade deste maravilhoso designo de Deus sobre a humanidade. Deus nos escolhe não porque somos bons, mas porque Ele é bom.

E a antiguidade tinha uma palavra sobre a bondade: bonum est diffusivum sui; o bem se comunica, faz parte da essência do bem que se comunique, estenda-se. E assim, uma vez que Deus é bondade, é comunicação de bondade, desejo de comunicar; Ele cria, porque quer comunicar a sua bondade a nós e faze-nos bons e santos.

No cento da oração de benção, o Apóstolo explica o modo em que se realiza o plano de salvação do Pai em Cristo, em seu Filho amado. Escreve: “pelo seu sangue, temos a Redenção, a remissão dos pecados segundo as riquezas de sua graça” (Ef 1,7).

O sacrifício da cruz de Cristo é o evento único e irrepetível no qual o Pai mostrou de modo luminoso o seu amor por nós, não somente com palavras, mas de modo concreto. Deus é assim concreto e o seu amor é tão concreto que entra na história, se faz homem para sentir o que é, como é viver num mundo criado, e aceita o caminho de sofrimento da paixão, sofrendo também a morte.

É tão concreto o amor de Deus que participa não somente ao nosso ser, mas ao nosso sofrimento e morte. O Sacrifício da cruz faz com que nos tornemos “propriedade de Deus”, porque o sangue de Cristo nos tirou a culpa, nos lavou do mal, nos subtraiu da escravidão do pecado e da morte.

São Paulo convida a considerar o quanto é profundo o amor de Deus que transforma a história, que transformou sua própria vida, deixando de ser perseguidor de cristãos para ser Apóstolo incansável do Evangelho.

Repitamos ainda mais uma vez as palavras tranquilizadoras da Carta aos Romanos: “Se Deus é por nós, quem será contra nós? Aquele que não poupou seu próprio filho, mas que por nós o entregou, como não nos dará também com ele todas as coisas?... Pois estou persuadido de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem o presente, nem o futuro, nem as potestades, nem as alturas, nem os abismos, nem outra qualquer criatura nos poderá apartar do amor que Deus nos testemunha em Cristo Jesus, nosso Senhor (Rm 8,31-32.38-39).

Nesta certeza – Deus é por nós, e nenhuma criatura pode nos separar Dele, porque o seu amor é mais forte – devemos inseri-la no nosso ser, na nossa consciência de cristãos.

Por fim, a benção divina se fecha com referência ao Espírito Santo que foi derramado em nossos corações; o Paráclito que recebemos selo promotido: Ele – diz Paulo – “é o penhor da nossa herança, enquanto esperamos a completa redenção daqueles que Deus adquiriu para o louvor da sua glória” (Ef 1,14).

A redenção ainda não foi concluída – o sabemos –, mas terá seu pleno cumprimento quando aqueles que Deus adquiriu forem totalmente salvos. Nós estamos ainda no caminho da redenção, onde a realidade essencial é dada com a morte e ressurreição de Jesus. Estamos no caminho em direção a redenção definitiva, em direção a plena libertação dos filhos de Deus. E o Espírito Santo é a certeza que Deus portará o cumprimento de seu designo de salvação, quando reconduzirá a “Cristo todas as coisas, as que estão nos céus e as que estão na terra" (Ef 1,10).

São João Crisóstomo comenta sobre este ponto: “Deus nos elegeu pela fé e imprimiu em nós o selo para a heriditaridade da glória futura” (Homilia sobre a Carta aos Efésios 2,11-14). Devemos aceitar que o caminho da redenção é também um caminho nosso, porque Deus quer criaturas livres, que digam livremente ‘sim’; mas é, sobretudo e primeiramente, um caminho Seu. Estamos em Suas mãos e agora é nossa liberdade andar sobre a estrada aberta por Ele. Andemos sobre esta estrada da redenção, juntos a Cristo e sintamos que a redenção se realizará.

A visão que nos apresenta São Paulo nesta grande oração de benção nos conduziu a contemplar a ação das três Pessoas da Trindade: o Pai, que nos escolheu antes da criação do mundo, pensou em nós e nos criou; o Filho, que nos redimiu com o seu sangue, e o Espírito Santo, penhor de nossa redenção e glória futura.

Na oração constante, no relacionamento cotidiano com Deus, aprendemos também nós, como São Paulo, a ver cada vez mais claramente os sinais deste projeto e desta ação: na beleza do Criador que tudo criou (cfr Ef 3,9), como canta São Francisco de Assis: “Louvado sejas, meu Senhor, com todas as Tuas criaturas (FF 263).

O importante é estarmos atentos justamente agora, também no período de férias, à beleza da criação e ver transparecer nesta beleza o rosto de Deus. Na vida deles, os santos mostram, de modo luminoso, o que pode fazer a potência de Deus na fraqueza do homem. E pode assim fazer conosco. Em toda a história da salvação, no qual Deus se aproximou de nós e espera pacientemente por nosso tempo, compreende as nossas infidelidades, incentiva os nossos esforços e nos guia.

Na oração, aprendemos a ver os sinais deste designo misericordioso no caminho da Igreja. Assim, crescemos no amor de Deus, abrindo a porta, a fim de que, a Santíssima Trindade venha habitar em nós, iluminando, aquecendo e guiando nossa existência.

“Se alguém me ama, guardará a minha palavra e meu Pai o amará, e nós viremos a ele e nele faremos nossa morada” (Jo 14,23), disse Jesus prometendo aos discípulos o dom do Espírito Santo, que ensinará cada coisa. São Irineu disse uma vez que, na Encarnação, o Espírito Santo se acostumou a estar no homem. Na oração, devemos nos habituar a estar com Deus. Isso é muito importante, que aprendamos a estar com Deus e, assim, vemos como é lindo estar com Ele, que é a redenção.

Queridos amigos, quando a oração alimenta a nossa vida espiritual nós nos tornamos capazes de conservar aquilo que São Paulo chama de “mistério da fé” numa consciência pura (cfr 1 Tm 3,9). A oração, como modo de “habituar-se” a estar junto de Deus, gera homens e mulher inspirados não pelo egoísmo, pelo desejo de possuir, pela sede de poder, mas pela gratuidade, pelo desejo de amar, pela sede de servir, inspirados, isto é, por Deus, e somente assim podem levar a luz à escuridão do mundo.

Gostaria de concluir esta Catequese com o epílogo da Carta aos Romanos. Com São Paulo, também nós rendemos glória a Deus porque disse-nos tudo sobre si em Jesus Cristo e dou-nos o Consolador, o Espírito de verdade. Escreve São Paulo no final da Carta aos Romanos: “Àquele que é poderoso para vos confirmar, segundo meu Evangelho, na pregação de Jesus Cristo – conforme a revelação do mistério, guardado em segredo durante séculos, mas agora manifestado por ordem do eterno Deus e, por meio das Escrituras Proféticas, dado a conhecer a todas as nações, a fim de levá-las à obediência da fé –, a Deus, único, sábio, por Jesus Cristo, glória por toda a eternidade! Amém” (16,25-27). Obrigado.



CATEQUESE
Sala Paulo VI, Vaticano
Quarta-feira, 20 de junho de 2012

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